Casa onde o autor viveu em Lanzarote está aberta ao público
Maria Fernanda Rodrigues
Em algum lugar entre a África e a
Espanha, Camões ainda guarda fielmente a casa de seu dono recentemente
falecido. Ele era o cachorro preferido de José Saramago e, ao lado de
Boli, acompanha os visitantes que têm aparecido com mais frequência
desde que Pilar del Río resolveu abrir ao público a casa onde viveu por
18 anos com o escritor português, localizada no povoado de Tías, em
Lanzarote, nas Canárias. Durante a visita, que tem duração de
aproximadamente uma hora, os guias contam, em detalhe, a rotina do
escritor e a história de boa parte dos quadros, livros, fotos e estátuas
que estão ali.
Quando se mudou para Lanzarote
no começo dos anos 1990, Saramago tinha acabado de escrever o polémico O
Evangelho Segundo Jesus Cristo. Durante uma viagem às Ilhas Canárias, o
casal decidiu que viveria ali e começou a construir essa casa.
Anos mais tarde, depois do
Nobel, seus livros ganharam uma casa própria. São esses dois espaços
vizinhos que os fãs do escritor têm agora a chance de conhecer. E
visitando seu escritório, sua cozinha, seu quintal, vai-se entrando
ainda mais em seu universo. Durante a visita, por exemplo, aprende-se
que Saramago era um bom colecionador: estátuas de cavalos e de
elefantes, pedras trazidas de viagens, jarras, quadros, livros,
Quixotes... tudo está ali para contar a história de seu dono.
Diferente de museus instalados
em casas de escritores célebres, o que a visita à casa de Saramago
mostra é um ambiente vivo, ainda com traços da passagem dele por ali - a
geleia de laranja na cozinha ainda não devia ser cenográfica.
Na sala de entrada, fica o
tapete de pedra vulcânica de que Saramago tanto gostava, além de quadros
e gravuras de César Manrique, David de Almeida, Rogério Ribeiro,
Ildefonso Aguilar, Bartolomeu dos Santos e outros artistas. Na estante, o
relógio está parado às 4 da tarde, a hora em que José conheceu Pilar.
Ali estão também sua coleção de cavalos e a estátua de uma família
africana adquirida em uma de duas viagens àquele continente.
Foi no escritório, que fica logo
ao lado dessa sala da entrada, que ele escreveu Ensaio Sobre a Cegueira
e os livros (ou parte deles) que vieram depois. Ele costumava trabalhar
por lá até sua biblioteca ser construída do outro lado da rua. O rádio
permanece ligado tal como ficava quando Saramago estava na sala e, ao
som de música clássica, o visitante percorre os porta-retratos com fotos
da família.
No canto do escritório, Saramago
fez uma espécie de altar para seus escritores preferidos: Cervantes,
Pessoa, Kafka, Lorca, Tolstoi, Joyce e Proust. Do outro lado, a foto
tirada por Sebastião Salgado do casal em Timanfaya. Em outra parede, uma
cópia do diploma do Prémio Nobel, de 1998. Sobre a mesa, o computador,
um livro, um crucifixo, um postal com uma imagem do rosto de Cristo, uma
foto de Pilar, claro, e outros objetos.
Ao lado do escritório está a
sala de descanso, com quadros inspirados em seus livros. O maior deles,
do pintor português Santa-Bárbara, traz uma cena de Memorial do Convento
e brinca com Velasquez ao colocar Saramago de espectador da cena, tal
como o pintor espanhol se colocou no quadro As Meninas. Uma "cadeira do
papai" salmão, de onde às vezes escrevia seu blog, uma televisão, sofás,
seu gravador e a caixa dos óculos completam o ambiente.
O quarto é o único cómodo onde o
visitante não entra. Da porta, isolada por uma faixa, vê-se o lugar
onde o escritor morreu na manhã do dia 18 de junho de 2010. Os dois
últimos espaços abertos para visitação são a cozinha, o lugar de
convivência e de encontro e onde Saramago recebeu Bernardo Bertolucci,
Susan Sontag, Carlos Fuentes, Eduardo Galeano, Mário Soares, Zapatero,
Sebastião Salgado, María Kodama e tantos outros amigos, e o quintal, com
suas oliveiras trazidas de Portugal e a belíssima vista para o mar. A
oliveira, aliás, foi o símbolo escolhido para o logotipo da "Casa".
Nessa hora, os visitantes são convidados para um café.
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