"Em meados do século XVIII, Minas
Gerais não era apenas a mais urbana das capitanias, mas também a mais
populosa. Vivia lá uma parte substancial dos 600 mil portugueses que
haviam migrado para o Brasil no vácuo da corrida do ouro. Com a melhora
nas condições de vida da região, muitos desses portugueses tinham
trazido mulher e filhos. Junto com baianos, paulistas, fluminenses,
pernambucanos e africanos, construíram uma sociedade — uma sociedade
diversa das que existiam na colónia (...)
Diferentemente do que acontecia
em centros tradicionais como São Paulo, Bahia, Pernambuco e Rio de
Janeiro, a população de Minas contava com uma forte presença de homens
livres, e o nível de mobilidade social era coisa rara no mundo
ocidental. Com inúmeras oportunidades girando em torno da mineração, o
maltrapilho de ontem podia ser o potentado de amanhã.
Havia sempre muito trabalho e,
por vezes, boa remuneração para profissionais tidos como marginais em
outras praças (carpinteiros, ferreiros, tecelões, ourives, boticários,
tropeiros, taberneiros, estalajadeiros etc.). Até os escravos, sobretudo
as escravas, tinham chance de ascender socialmente.
Em 1733, o governador de Minas
Gerais baixou um decreto em que proibia “mulheres desonestas” [mestiças e
negras amantes de homens brancos] de frequentar a igreja com “vestidos
ricos e pomposos” e de transitar pelas ruas do Tejuco em suas
cadeirinhas carregadas por escravos, gestos, segundo o conde de
Galveias, “alheios e impróprios de sua condição”.
Perda de tempo. As mancebas de
cor permaneceram no topo das preferências dos varões das Minas — que o
diga João Fernandes de Oliveira, contratador dos diamantes no Tejuco e
filho de uma das famílias mais ricas e poderosas de Portugal. Depois de
comprar por 800 mil-réis a parda analfabeta Chica da Silva, em 1743,
João Fernandes a alforriou e fez dela sua concubina, com direito a
sobrado na rua da Ópera, roupas finas, joias e um plantel de 104
escravos. Viveram juntos durante dezessete anos e tiveram treze filhos.
Em Minas, como Chica houve muitas.
As combinações possíveis na
sociedade mineira eram caleidoscópicas. Mineradores, fazendeiros e
comerciantes xucros formavam proles de homens refinados. Em vez de
criarem seus filhos para os ofícios que os tinham enriquecido, eles
mandavam seus herdeiros para a Universidade de Coimbra, uma das melhores
instituições da Europa, para estudar direito, teologia, medicina ou
matemática. Entre 1750 e 1758, a maioria dos luso-brasileiros
matriculados em Coimbra era de Minas Gerais."
In Boa ventura! – A corrida do ouro no Brasil (1697-1810) de Lucas Figueiredo :
:Editora Record, 2011, 368 páginas
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