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sábado, 22 de janeiro de 2011

Miguel Torga, Tributo de Homenagem ao grande poeta português - 15 anos após a sua morte


TRIBUTO DE HOMENAGEM A MIGUEL TORGA

Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia Rocha. Nasceu em São Martinho de Anta - perto da cidade  de Vila Real, em 12 de Agosto de 1907 — e faleceu em Coimbra, em 17 de Janeiro de 1995; foi um dos mais importantes escritores portugueses do século XX.

Filho de Francisco Correia Rocha e Maria da Conceição Barros, gente humilde do campo do concelho de Sabrosa (Alto Douro).

Em 1917, aos dez anos, vai para uma casa apalaçada do Porto, habitada por parentes da família. Fardado de branco servia de porteiro, moço de recados, regava o jardim, limpava o pó e polia os metais da escadaria nobre, atendia campainhas. Foi despedido um ano depois, devido à constante insubmissão.

Em 1918 vai para o Seminário de Lamego, onde viveu um dos anos cruciais da sua vida, tendo melhorado os conhecimentos de português, da geografia, da história, aprendido o latim e ganhado familiaridade com os textos sagrados. No fim das férias comunicou ao pai que não seria padre.

Emigrou para o Brasil em 1919, com doze anos, para trabalhar na fazenda do tio, na cultura do café. O tio apercebe-se da sua inteligência e patrocina-lhe os estudos liceais, em Leopoldina. Distingue-se como um aluno dotado.

Em 1925, na convicção de que ele havia de vir a ser doutor em Coimbra, o tio propôs-se pagar-lhe os estudos como recompensa dos cinco anos de serviço - o que levou ao seu regresso a Portugal.

Em 1928 entra para a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e publica o seu primeiro livro, "Ansiedade", de poesia.

Em 1929, com 22 anos, deu início à colaboração na revista Presença, folha de arte e crítica, com o poema “Altitudes”. A revista, fundada em 1927 pelo grupo literário avançado de José Régio, Gaspar Simões e Branquinho da Fonseca, era bandeira literária do grupo modernista e era também, bandeira libertária da Revolução Modernista.

Em 1930 rompe definitivamente com a revista Presença, por "razões de discordância estética e razões de liberdade humana".

É bastante crítico da praxe e tradições académicas, e chama depreciativamente "farda" à capa e batina, mas ama a cidade de Coimbra, onde viria também a exercer a sua profissão de médico a partir de 1939 e onde escreve a maioria dos seus livros.

Em 1933 concluiu a formatura em Medicina, com apoio financeiro do tio do Brasil. Exerceu no início nas agrestes terras transmontanas, de onde era originário e que são pano de fundo da maior parte da sua obra.

Casa com Andrée Crabbé em 1940, estudante de nacionalidade belga - aluna de Estudos Portugueses, ministrados por Vitorino Nemésio em Bruxelas - que viera a Portugal para frequentar um curso de férias na Universidade de Coimbra. A sua filha, Clara Rocha, nasce a 3 de Outubro de 1955.

Vida política

Foi preso várias vezes devido aos seus escritos, sendo a primeira em 1939, em Aljube. A PIDE, polícia política do regime salazarista,  negar-lhe-ia , várias vezes o pedido de visto para sair do país. Andrée Rocha é suspensa do seu lugar académico, passou a fazer traduções e a ajudar o marido na sua actividade profissional.

Em 1967, assina um manifesto no qual é pedida a aprovação de uma lei da Imprensa, a abolição da censura prévia e a interposição de recurso no caso de apreensão de livros.

A origem do pseudónimo

Em 1934, aos 27 anos, Adolfo Correia Rocha auto-define-se pelo pseudónimo que criou, "Miguel" e "Torga". Miguel, em homenagem a dois grandes vultos da cultura ibérica: Miguel de Cervantes e Miguel de Unamuno. Já Torga é a designação nortenha da urze, planta brava da montanha, que deita raízes fortes sob a aridez da rocha, de flor branca, arroxeada ou cor de vinho.

A obra de Torga

A obra de Torga tem um carácter humanista: criado nas serras transmontanas, entre os trabalhadores rurais, assistindo aos ciclos de perpetuação da Natureza, Torga aprendeu o valor de cada homem, como criador e propagador da vida e da Natureza: sem o homem, não haveria searas, não haveria vinhas, não haveria toda a paisagem duriense, feita de socalcos nas rochas, obra magnífica de muitas gerações de trabalho humano.

Ora, estes homens e as suas obras levam Torga a revoltar-se contra a Divindade Transcendente a favor da imanência: para ele, só a humanidade seria digna de louvores, de cânticos, de admiração: (hinos aos deuses, não/os homens é que merecem/que se lhes cante a virtude/bichos que cavam no chão/actuam como parecem/sem um disfarce que os mude).

Para Miguel Torga, nenhum deus é digno de louvor: na sua condição omnisciente é-lhe muito fácil ser virtuoso, e enquanto ser sobrenatural não se lhe opõe qualquer dificuldade para fazer a Natureza - mas o homem, limitado, finito, condicionado, exposto à doença, à miséria, à desgraça e à morte é também capaz de criar, e é sobretudo capaz de se impor à Natureza, como os trabalhadores rurais transmontanos impuseram a sua vontade de semear a terra aos penedos bravios das serras. E é essa capacidade de moldar o meio, de verdadeiramente fazer a Natureza mau grado todas as limitações de bicho, de ser humano mortal que, ao ver de Torga fazem do homem único ser digno de adoração.

Considerado por muitos como um avarento de trato difícil e carácter duro, foge dos meios das elites pedantes, mas dá consultas médicas gratuitas a gente pobre e é referido pelo povo como um homem de bom coração e de boa conversa.  

Miguel Torga ganhou uma dimensão tal com a gandeza da sua poesia e a riqueza da sua obra, ao mesmo tempo íntima, pessoal, regional e universal, mas profundamente marcante que, várias vezes, se movimentaram prestigiadas figuras da cultura portuguesa e lusófona, assim como a legião de seus leitores e admiradores, no sentido de ser apresentada por Portugal a sua candidatura ao prémio Nobel da Literatura.

Carlos Morais dos Santos
  Escritor, Poeta, fotógrafo 
Cônsul S.I. Poetas Del Mundo



Eis alguns de seus poemas:



Livro de Horas
Miguel Torga

Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão em leme da nau
Nesta deriva em que vou.

Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.

Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
E das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem.
De ser o anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser o monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!

_____________________________

MACERAÇÃO

Peço-te vida, que não leves tudo.
Dá-nos caridade
Desta humana ilusão
De que não foi a nossa cobardia
Que nos perdeu
Humilhados e tristes no caixão,
Será mais triste ainda apodrecer
Sob o peso de ver
Que nem de nós temos perdão.”

Miguel Torga
_________________________________

Aos Poetas  

Somos nós
As humanas cigarras.
Nós,
Desde o tempo de Esopo conhecidos...
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.

Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos,
A passar...

Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras.
Asas que em certas horas
Palpitam.
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura.
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.

Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz.
Vinho que não é meu,
Mas sim do mosto que a beleza traz.

E vos digo e conjuro que canteis.
Que sejais menestréis
Duma gesta de amor universal.
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural.

Homens de toda a terra sem fronteiras.
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele.
Crias de Adão e Eva verdadeiras.
Homens da torre de Babel.

Homens do dia-a-dia
Que levantem paredes de ilusão.
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão.

Miguel Torga, in 'Odes'

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Liberdade
 
— Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

— Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.   

Miguel Torga, in 'Diário XII'

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Poema Melancólico a não sei que Mulher

Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anónimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.

Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,
E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão...

Miguel Torga, in 'Diário VII'
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À Beleza  

Não tens corpo, nem pátria, nem família,
Não te curvas ao jugo dos tiranos.
Não tens preço na terra dos humanos,
Nem o tempo te rói.
És a essência dos anos,
O que vem e o que foi.

És a carne dos deuses,
O sorriso das pedras,
E a candura do instinto.
És aquele alimento
De quem, farto de pão, anda faminto.

És a graça da vida em toda a parte,
Ou em arte,
Ou em simples verdade.
És o cravo vermelho,
Ou a moça no espelho,
Que depois de te ver se persuade.

És um verso perfeito
Que traz consigo a força do que diz.
És o jeito
Que tem, antes de mestre, o aprendiz.

És a beleza, enfim. És o teu nome.
Um milagre, uma luz, uma harmonia,
Uma linha sem traço...
Mas sem corpo, sem pátria e sem família,
Tudo repousa em paz no teu regaço.

Miguel Torga, in 'Odes'

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Fraternidade

Não me dói nada meu particular.
Peno cilícios da comunidade.
Água dum rio doce, entrei no mar
E salguei-me no sal da imensidade.

Dei o sossego às ondas
Da multidão.
E agora tenho chagas
No coração
E uma angústia secreta.

Mas não podia, lírico poeta,
Ficar, de avena, a exercitar o ouvido,
Longe do mundo e longe do ruído.

Miguel Torga, in 'Cântico do Homem'

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Miguel Torga é um dos maiores poetas portugueses contemporâneos e, como dizia Camões, é "daqueles que por obras valorosas, da Lei da morte se foram libertando".

Tenho pela obra, pelo poeta e pelo homem, uma profunda admiração. E ouso ter até em Miguel Torga um de meus Mestres, voz interior que escuto, lembrando seus poemas, que me fazem sentir  humildemente  pequeno quando enfrento a escrita de meus poemas. Ainda em 2010, fiz uma comovente viagem de romaria à sua terra e à sua região de origem, para visitar os seus lugares, de nascimento, vida e morte, e ali lhe prestar mais uma singela homenagem de um simples aprendiz da arte em que Torga subiu ao Parnaso dos Grandes Eleitos. 

Acompanhado de minha mulher, e de alguns meus amigos, seus leitores e admiradores, entre os quais alguns seus conterrâneos, ali bebemos a imensidão da beleza das serranias e das encostas em sucalcos de terra e rocha dura, que os bravos e indómitos transmontanos transformam, ao longo de séculos em vinhedos plantados em sucalcos. Paisagem belíssima, eleita "património da humanidade", lugares de silêncios sábios, onde se pode escutar o sussuro dos ventos e a voz das montanhas, e por onde a poesia de Miguel Torga parece ecoar em suas austeras mas doces vozes e quase se podem imaginar as marcas dos seus passos nos longos passeios solitários que o Mestre ali deixou impressos.

Adolfo Correia da Rocha é seu nome, nasceu simples, em modesta casa, em  São Martinho de Anta - perto da cidade de Vila Real, capital de Trás-os-Montes, em 12 de Agosto de 1907 — e  faleceu em Coimbra onde vivia e exercia a sua profissão de médico, em 17 de Janeiro de 1995, mas desejou ser sepultado simples,  simplesmente como nascera no pequeno cemitério de sua terra Natal, em campa rasa, lá em Trás-os-Montes na pequena vila de São Martinho de Anta.   

 
 As belas serras de Trás-os-Montes, perto de sua terra, por onde Torga passeava (Foto C.M.S.)
 A singela sepultura de Miguel Torga no 
pequeno cemitério de São Martinho da Anta (Foto de C.M.S.)















A modesta casa em que nasceu Miguel Torga (Foto de C.M.S.)

Um comentário:

  1. De: Silvino Potencio

    Obrigado Amigo Carlos por nos trazer à lembrança a memória deste Grande Conterrâneo do qual somos leitores há muitos anos.
    De cada vez que - embora em pensamento - subimos o Marão para olhar em direção das nossas Terras Altas por sobre a Aldeia de São Martinho da Anta revivemos todo um passado de Glória.
    Deus o tem lá na SUA SANTA PAZ ETERNA

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