As
versões tradicionais acerca da formação identitária brasileira tendem a
realçar o protagonismo dos portugueses e a posição hegemónica alcançada
pela cultura lusa durante o período colonial, matriz cujas principais e
duradouras influências se manifestam na língua, na religião e nos
modelos políticos de organização da sociedade.
Apesar
de boa parte das tradições brasileiras serem de origem lusitana e isso ser ignorado por muitos brasileiros, de facto essas heranças são bastante profundas, sendo
interessante, ou perturbante, observar como essas heranças foram
abrasileiradas e são hoje imaginadas como invenção original.
A
realidade, entretanto, sempre foi mais complexa, ou mais sincrética, do
que as definições oficiais acerca da história cultural do Brasil. Desde
os primeiros momentos da construção colonial, também se constituiu uma
matriz africana para a futura brasilidade, forjada pelos contributos
diversificados de saberes, artes, linguagens e sentimentos trazidos
pelos milhões de africanos para aqui transplantados, e que no Brasil se
refizeram identitariamente, entrecruzando seus referentes aos europeus
e ameríndios.
No ensaio “O colono preto como fator da civilização brasileira”, trabalho pioneiro do pesquisador baiano Manoel Querino,
inicia-se a desconstrução dos esforços da historiografia oficial para
apagar o papel do negro africano como co-colonizador do Brasil, abrindo
caminhos que encontrarão uma decisiva síntese intelectual e ideológica
no livro Casa-grande e senzala, de Gilberto Freyre, obra que pode ser considerada como um texto fundador do imaginário moderno sobre a mestiçagem afro-luso-brasileira.
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