Na Bahia, na segunda quinta-feira depois do Dia de Reis, duas religiões unem-se para um ritual religioso em comum – a lavagem da escada da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, no bairro Bonfim, em Salvador.
Nesse
dia, católicos e adeptos do candomblé percorrem juntos 8 km de ruas
baianas, cantando hinos de adoração às duas principais divindades de
cada crença, Nosso Senhor Jesus Cristo e Oxalá, configurando um dos
maiores exemplos brasileiros do fenômeno de fusão de religiões
conhecido como sincretismo.
Mas o mais
curioso da festa é que o centro do ritual, a escada, tem apenas 10
degraus, em torno dos quais cerca de 1 milhão de pessoas se reúne
anualmente.A inusitada parceria entre as religiões tem origem na época
da escravatura, quando portugueses e escravos, juntos, preparavam a
capela para a festa de encerramento da novena de devoção ao Nosso
Senhor do Bonfim.
A imagem do homenageado
é uma réplica em madeira de 1,06 metro e
de outra do Cristo que é venerada em Setúbal (Portugal) e foi trazida ao Brasil em 1745 pelo capitão de Mar e Guerra Teodósio Rodrigues de Faria, português devoto. Ela foi instalada primeiramente na Capela de Nossa Senhora da Penha de França, em Itapagipe (MG), durante a Páscoa, e lá ficou até ganhar uma igreja em 1754, em Bonfim, em Salvador (Bahia), terra que lhe deu o nome.
de outra do Cristo que é venerada em Setúbal (Portugal) e foi trazida ao Brasil em 1745 pelo capitão de Mar e Guerra Teodósio Rodrigues de Faria, português devoto. Ela foi instalada primeiramente na Capela de Nossa Senhora da Penha de França, em Itapagipe (MG), durante a Páscoa, e lá ficou até ganhar uma igreja em 1754, em Bonfim, em Salvador (Bahia), terra que lhe deu o nome.
Em 1804, foi instituída pelo papa Pio VII a novena ao Nosso Senhor do Bonfim. A duração de nove dias é uma referência ao intervalo entre a ascensão de Jesus Cristo ao céu após a ressurreição e a descida do Espírito Santo narrada na Bíblia. Nesse período, os fiéis se reúnem em missas nocturnas com música e orações. A novena culmina com uma missa festiva na manhã do último dia, o segundo domingo depois da Festa de Reis.
Na quinta-feira anterior à festa de
encerramento, os senhores portugueses faziam seus escravos prepararem o
templo juntamente com os fiéis, limpando e enfeitando a igreja por
dentro e por fora. Vindos de África, os escravos eram obrigados a
aderir ao catolicismo, a despeito da sua crença de origem, segundo Josildete Consorte, antropóloga e pesquisadora de sincretismo afro-católico.
Para
manter as suas tradições religiosas, eles faziam associações entre
divindades cristãs e entidades do candomblé. Assim, a preparação da
igreja foi transformada em acto de louvor à principal entidade do
candomblé: Oxalá, o orixá associado ao Nosso Senhor do Bonfim.
Até
o fim dos anos 1950, a tradição tinha uma característica popular, e a
igreja era efectivamente lavada pelos participantes. A partir da década
de 60, quando a Bahia se transformou em pólo turístico e o ritual
começou a reunir multidões, por razões de segurança, a lavagem passou a
ser simbólica e a acontecer apenas do lado de fora da igreja, que
mantém as portas fechadas no dia, deixando acessível apenas a escada de
acesso.
Além dos fiéis, participam bandas,
grupos de manifestação folclórica, turistas e curiosos. Muitos se
vestem de branco para a ocasião, que é a cor de Oxalá. Mulheres
trajadas de baianas, com vestidos brancos, turbantes e braceletes,
lideram o cortejo, que sai da Igreja da Conceição da Praia, no bairro
Dois de Julho em Salvador (BA), por volta das 10 horas da manhã, após o
término de uma missa. Elas seguem carregando vasos com a água perfumada
que é derramada nos degraus da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim.
O
líquido é preparado nos terreiros de candomblé de um a sete dias antes
do rito. O perfume vem de folhas e ervas cheirosas, como laranjeira,
manjericão, macaçá e alfazema e de água de levante. A mistura fica em repouso em uma sala sagrada de
culto para a materialização da força do orixá até ao dia da festa.
Além de servir para lavar os degraus da capela, a água é usada também para ungir pelo caminho os participantes que buscam protecção espiritual. O ritual termina em festa, animada por música, comidas e bebidas típicas vendidas nas barracas que são montadas ao redor da igreja.
Apesar do clima de confraternização, o cientista religioso Afonso Soares, da Pós-Graduação da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), explica que este tipo de equilíbrio entre as duas crenças não é fácil, pois existem atritos entre as religiões cristãs e as afro-brasileiras. Existem, inclusive, movimentos no sentido contrário ao sincretismo, que visam separar o candomblé do catolicismo.
A razão para tal tolerância na lavagem das escadas é que o evento é considerado mais uma festa profana com forte apelo turístico que um rito religioso. O evento reúne todos os anos cerca de 1 milhão de pessoas, segundo dados da prefeitura de Salvador, e é o segundo maior da cidade, perdendo apenas para o Carnaval.
Texto de Cíntia Costa em Povo do Santo
Fabulosas e sugestivas imagens, que só por si transmitem a mensagem, muito bem complementada pelo respectivo texto!
ResponderExcluirVisito várias vezes o teu blogue porque para além dos belos textos e imagens, também tem um excelente fundo musical.
Um abraço fraterno do Armando Isaac