Uma nova colaboração se inicia hoje com um delicioso conto.
Selma Calasans, a autora, mulher simultaneamente das Letras e da análise do Psique Humano (como Professora Universitária de Literaturas Comparadas e como Psicanalista) tem publicado vários livros relacionados com estas áreas de investigação, mas não tem querido até hoje "dar à estampa" os seus encantadores contos cheios, simultaneamente, de humanismo, de significações simbólicas e de sabor próprio, em que capta com subtileza as ambiências e as falas dos protagonistas em contos curtos, o que é verdadeira proeza literária.
Iniciamos a partir de agora a publicação de alguns dos seus contos e textos literários e, com isso, retiramos das gavetas essas criações de uma lusófona do Rio de Janeiro.
Carlos Morais dos Santos
Selma Calasans no lançamento em Lisboa de um dos seus livros
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História de Irene
Irene no céu
Irene
preta
Irene
boa
Irene
sempre de bom humor.
Imagino
Irene entrando no céu:
E
São Pedro bonachão:
entra,
Irene. Você não precisa pedir licença.
Manuel Bandeira
“Ter um filho só é coisa
muito ruim. Quem tem um, não tem nenhum” filosofava Irene a boa empregada que
permaneceu em nossa casa seis anos, ajudou-me a criar os filhos, entrou para o
coração de todos nós. Um belo dia fugiu, sumiu.
Terá ido atrás de uma
paixão? Sim, foi atrás do único amor de sua vida: o filho Zé. Ele por certo
correspondia a esse amor, pois foi com ela que se embrenhou de volta no sertão
longínquo da Paraíba, onde nascera. Os dois a formar uma célula placentária
para defesa própria contra a maldita vida, a incompreensão, a justiça cega. Em
vão tentou-se demovê-la da ideia de seguir o Zé, de largar tudo que havia
construído na cidade grande…
Zé era homem feito, quase
trinta anos, trabalhava na construção civil, mas não se fixava em nenhuma
mulher. Tinha namoradas diversas, variadas, sem consequência. Um dia emprenhou
uma donzela, uma menor. O pai da dita era da tradição: fez menino, tem que
casar. Zé se negou. Daí um processo em cima dele. Não pensou em mais nada: no
sertão ninguém mais o acharia. E assim o fez com a cumplicidade da mãe que não
hesitou em segui-lo, pensando sempre que o protegia.
Irene branca, de um branco
sujo. Sua cor remontava a muitos séculos de miscigenação. Irene feia, Irene
boa. Desajeitada de corpo, não tinha cintura, nem contornos distinguíveis.
Cheirava a perfume barato. Severina, para resumir em uma só palavra. Irene
alegre, sempre de bom humor.
Nada disso era empecilho
para Irene não andar sempre acompanhada, sobretudo com o corpo, ou seja a
libido, em dia.
Nunca tinha menos de dois
namorados: o médico, por exemplo, não a deixava sossegada, telefonava sempre,
saíam para jantar.
Ao voltar de sua folga dos fins-de-semana,
Irene sempre nos surpreendia com o relato dos programas feitos. Muitas vezes
era o aviador que a levava para passear: “Esse domingo voei por aí tudo, passei
por cima da Senhora!” E passara mesmo pelo Leblon todo. Seu segredo era um só:
a descontração, a simpatia. Irene sempre de bom humor…
Antes de se embrenhar no
Nordeste profundo com o filho, Irene contou uma história exemplar que mostra
bem aquilo que disse aqui, no início, sobre o ter um filho só. A história
resume a sua relação com o Zé, único amor da sua vida e nela entra o doido pontuando a relação.
Dou-te a palavra: fala,
Irene, conta-nos em que momento te deste conta de que a prisão do amor se
perpetrou em ti:
Dona Serma, eu
senti que o meu juízo tava saindo…
Ninguém mais soube deles. Agora
mãe e filho único estão juntos no mistério partilhado. Irene nem sequer
suspeitou que seu amor por Zé tinha raízes tentaculares que a ligavam a um
passado ao qual nunca se referira, pois sua história era narrada a partir do
Zé, da existência da maternidade. E nem sequer suspeitou que sua fuga para
Tebas… a faria reencontrar-se com o Destino. E que não haveria mais retorno.
Selma Calasans Rodrigues
PARABÉNS DRA. SELMA E OBRIGADA POR ME FAZER RELEMBRAR MINHA INFÂNCIA ATRAVÉS DESSA CASINHA DE TAIPA QUE TÃO BEM RETRATA A VIDA DO SERTANEJO BRASILEIRO. ABRAÇOS VIVI
ResponderExcluirPrezada Dra. Selma: Bem haja! Auspiciosa estreia! Pois que continue sempre a nos brindar com o seu talento e criatividade.
ResponderExcluirMuita saúde e paz!
Fraternal e saudoso abraço dos seus admiradores, Malu ("Boalusa") & Rubens
Parabéns por esta excelente foto!
ResponderExcluirAbraço
Armando Isaac
Mae, parabens,
ResponderExcluirGostei muito deste conto que fez parte das nossas vidas
Beijos