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sábado, 21 de maio de 2011

Cientistas portugueses descobrem "lado bom" da malária


Portugueses descobriram que uma infecção com malária acaba por ser crucial antes de haver imunidade. A doença mata um milhão de pessoas por ano, a maioria crianças

Já tinham dado todas as voltas possíveis e imaginárias à questão quando receberam o contacto de um investigador de Oxford, que queria colaborar com especialistas em malária numa investigação sobre anemia.

Hal Drakesmith chegou à sala onde conversamos com Maria Mota, investigadora no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa, e mostrou-lhe o epicentro do seu trabalho. De repente fazia-se luz. Aquele nome - molécula hepcidina, reguladora da distribuição do ferro de organismo - era a explicação para uma incógnita de quase quatro anos e que ontem foi publicada na revista "Nature Medicine".

Os investigadores portugueses explicam pela primeira vez porque é que nas zonas endémicas de malária - onde as pessoas chegam a ser picadas 700 vezes por ano por mosquitos infectados - as crianças têm uma protecção natural contra "super-infecções". A descoberta tem um impacto imediato, disse a coordenadora da unidade de malária. Vai ser preciso rever as abordagens terapêuticas porque "nem toda a malária é má".

A descoberta portuguesa, liderada pela estudante de doutoramento Sílvia Portugal (hoje no National Institutes of Health, nos EUA), partiu de uma questão simples, mas foi preciso testar mais de 50 teorias até haver veredicto.

Os investigadores queriam perceber o que é que acontecia quando uma criança até aos cinco anos era picada por um segundo mosquito vector de malária, porque se todos os parasitas se desenvolvessem nenhuma sobreviveria. Em experiências com ratinhos - e numa fase da investigação que durou quatro meses - perceberam que, nesta idade, quando a criança sobrevive à primeira infecção e os parasitas se mantêm durante meses no sangue em grande quantidade, o parasita de uma segunda picada não chega a passar da primeira fase da infecção, que se desenrola no fígado.

Depois de descobrirem esta barreira natural, faltava explicá-la, e foi isso que tentaram fazer nos últimos três anos. "De início pensámos que o parasita no sangue secretaria qualquer coisa que fazia com que o outro não crescesse. Não descobrimos nada. Começámos a pensar que seria algo do hospedeiro e nada. Decidimos então fazer um check-up geral ao fígado para ver o que estava alterado."

Os resultados abriam várias hipóteses mas nenhuma era evidente. Depois de sucessivos baldes de água fria, a resposta parecia distante. Foi nessa altura, há pouco mais de um ano, que entrou em jogo Hal Drakesmith e a sua hepcidina. "Era a molécula que aparecia no top 5 das alterações no fígado destes ratinhos", lembra Maria Mota. "Fui logo buscar a tabela e os valores estavam oito vezes aumentados nos animais infectados. Nesse dia, quando fomos jantar, lembro-me que a Sílvia, que sempre manteve a persistência, me perguntou se tanto entusiasmo poderia, mais uma vez, não dar em nada. Ainda bem que deu."

É esta relação com a molécula do ferro que dá mais potencial ao estudo. "Depois da infecção, se o hospedeiro sobrevive e se o parasita se mantém em circulação no sangue acima de um certo patamar (algo comum nas crianças, porque ainda não desenvolveram a imunidade própria de quem está sucessivamente exposto à malária), causa uma resposta inflamatória que leva ao aumento da molécula epsidina", diz Maria Mota. Esta, quando existe em grande quantidade, tem tendência a ligar-se a receptores das células dos intestinos como os macrófagos e faz com que o ferro - que iria deixar estas células e encaminhar-se para tecidos como o fígado - fique retido. Fechava-se assim o ciclo: "Sem ferro no fígado, o parasita não consegue desenvolver-se."

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