Já tinham dado todas as voltas
possíveis e imaginárias à questão quando receberam o contacto de um
investigador de Oxford, que queria colaborar com especialistas em
malária numa investigação sobre anemia.
Hal Drakesmith chegou à sala onde conversamos com Maria Mota,
investigadora no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa, e
mostrou-lhe o epicentro do seu trabalho. De repente fazia-se luz. Aquele
nome - molécula hepcidina, reguladora da distribuição do ferro de
organismo - era a explicação para uma incógnita de quase quatro anos e
que ontem foi publicada na revista "Nature Medicine".
Os investigadores portugueses
explicam pela primeira vez porque é que nas zonas endémicas de malária -
onde as pessoas chegam a ser picadas 700 vezes por ano por mosquitos
infectados - as crianças têm uma protecção natural contra
"super-infecções". A descoberta tem um impacto imediato, disse a
coordenadora da unidade de malária. Vai ser preciso rever as abordagens
terapêuticas porque "nem toda a malária é má".
A descoberta portuguesa, liderada pela estudante de doutoramento Sílvia Portugal
(hoje no National Institutes of Health, nos EUA), partiu de uma questão
simples, mas foi preciso testar mais de 50 teorias até haver veredicto.
Os investigadores queriam
perceber o que é que acontecia quando uma criança até aos cinco anos era
picada por um segundo mosquito vector de malária, porque se todos os
parasitas se desenvolvessem nenhuma sobreviveria. Em experiências com
ratinhos - e numa fase da investigação que durou quatro meses -
perceberam que, nesta idade, quando a criança sobrevive à primeira
infecção e os parasitas se mantêm durante meses no sangue em grande
quantidade, o parasita de uma segunda picada não chega a passar da
primeira fase da infecção, que se desenrola no fígado.
Depois de descobrirem esta
barreira natural, faltava explicá-la, e foi isso que tentaram fazer nos
últimos três anos. "De início pensámos que o parasita no sangue
secretaria qualquer coisa que fazia com que o outro não crescesse. Não
descobrimos nada. Começámos a pensar que seria algo do hospedeiro e
nada. Decidimos então fazer um check-up geral ao fígado para ver o que
estava alterado."
Os resultados abriam várias
hipóteses mas nenhuma era evidente. Depois de sucessivos baldes de água
fria, a resposta parecia distante. Foi nessa altura, há pouco mais de um
ano, que entrou em jogo Hal Drakesmith e a sua hepcidina. "Era a
molécula que aparecia no top 5 das alterações no fígado destes
ratinhos", lembra Maria Mota. "Fui logo buscar a tabela e os valores
estavam oito vezes aumentados nos animais infectados. Nesse dia, quando
fomos jantar, lembro-me que a Sílvia, que sempre manteve a persistência,
me perguntou se tanto entusiasmo poderia, mais uma vez, não dar em
nada. Ainda bem que deu."
É esta relação com a molécula do
ferro que dá mais potencial ao estudo. "Depois da infecção, se o
hospedeiro sobrevive e se o parasita se mantém em circulação no sangue
acima de um certo patamar (algo comum nas crianças, porque ainda não
desenvolveram a imunidade própria de quem está sucessivamente exposto à
malária), causa uma resposta inflamatória que leva ao aumento da
molécula epsidina", diz Maria Mota. Esta, quando existe em grande
quantidade, tem tendência a ligar-se a receptores das células dos
intestinos como os macrófagos e faz com que o ferro - que iria deixar
estas células e encaminhar-se para tecidos como o fígado - fique retido.
Fechava-se assim o ciclo: "Sem ferro no fígado, o parasita não consegue
desenvolver-se."
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